segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Coroação de Balduino I

Ao seu regresso, Balduino quis ser coroado rei e reconciliou-se com Daimbert. A cerimônia teve lugar em Belém, no dia do Natal do Salvador. O novo rei recebeu a unção e a coroa real das mãos do patriarca.

Não se opôs ao Rei Balduino o exemplo de Godofredo, que depois de sua eleição, não quis ser coroado. Uma triste experiência tinha feito nascer graves pensamentos; a realeza dos peregrinos, essa realeza do exílio, não era mais, aos olhos dos cristãos, uma glória, nem uma felicidade deste mundo, mas uma obra piedosa e santa, uma obra de resignação e de devotamente, uma missão cheia de perigos, de miséria e de sacrifícios.

Num reino cercado de inimigos, no meio de um povo lançado como por uma tempestade a um país estrangeiro, um rei não devia usar uma coroa de ouro, como os outros reis da terra, mas uma coroa em tudo semelhante à de Jesus Cristo.

O primeiro cuidado de Balduino depois da coroação foi administrar a justiça aos seus súditos e pôr em vigor as leis de Jerusalém. Tinha sua corte e seu conselho, no meio de todos os grandes, no palácio de Salomão.


Todos os dias, durante quase duas semanas, viram-no sentado no trono, escutando as queixas que lhe eram feitas e pronunciando sobre todas as questões de seus vassalos, a sua sentença. Uma das primeiras causas que ele teve de julgar foi uma questão entre Tancredo e Guilherme, o Carpinteiro, visconde de Melun.

Godofredo, antes de morrer, tinha dado a Guilherme a cidade de Caifás; Tancredo obstinava-se em conservar uma cidade conquistada com suas armas; Balduino, ante o aviso de seus conselheiros, mandou intimar Tancredo a comparecer ao seu tribunal.

Este, que não tinha esquecido as injúrias de Farso e de Malmistra, respondeu que não reconhecia Balduino como rei da cidade santa, nem como juiz da cidade e do reino de Jerusalém.

Uma segunda intimação foi mandada; à qual ele não deu resposta; por fim, numa terceira mensagem, Balduino convidava seu antigo irmão de armas a não declinar sua justiça a fim de que uma realeza cristã não fosse exposta à zombaria dos infiéis.

Essa última intimação parecia mais uma petição. Tancredo deixou-se vencer, mas não quis ir à Jerusalém, cujas portas há pouco lhe haviam sido fechadas; propôs a Balduino uma conferencia às margens do Ledar, entre Jaffa e Arsur.

Por espírito de conciliação o rei de Jerusalém consentiu em se dirigir ao lugar indicado. A princípio os dois soberanos não se entenderam; tiveram uma segunda entrevista em Caifás; homens sábios e piedosos intervieram para restabelecer a paz.

Por fim, a lembrança de Godofredo, cuja última vontade se invocava, esse nome tão caro a Balduino e a Tancredo, chegou a aproximá-los.

Durante essas negociações Tancredo tinha sido chamado a governar o principado de Antioquia, na ausência de Boemundo, e não somente ele renunciou às suas pretensões sobre a cidade de Caifás, que foi entregue a Guilherme, o Carpinteiro, mas entregou a Balduino o principado de Tiberíades, que se tornou herança de Hugo de Saint-Omer.

Todos os cuidados que o rei Balduino tomava para restabelecer a paz e manter a execução das leis no seu reino, não o impediam de fazer frequentes incursões às terras dos muçulmanos.

Numa dessas expedições além do Jordão, surpreendeu diversas tribos árabes. Quando regressava carregado com seus despojos teve ocasião de praticar a mais nobre virtude da cavalaria.

Não longe do rio, gritos aflitos vieram ferir seus ouvidos; ele aproxima-se e vê uma mulher muçulmana, nas dores do parto, cobre-a com seu manto, manda coloca-la sobre tapetes estendidos por terra.

Por sua ordem, frutos e dois odres cheios de água são trazidos perto daquele leito de dor. Mandou buscar a fémea de um camelo para amamentar a criança que acabava de nascer e depois a mãe foi confiada aos cuidados de uma escrava, encarregada de reconduzi-la ao seu esposo.

Este ocupava uma posição elevada entre os muçulmanos; ele derramou lágrimas de alegria, revendo uma esposa cuja morte ou desonra já chorava e jurou jamais esquecer a ação generosa de Balduino.

De volta à capital, Balduino soube que uma frota genovesa tinha chegado ao porto de Jaffa. Foi ter com os peregrinos de Genova, pedindo-lhes que o ajudassem nalguma empresa gloriosa contra os inimigos da fé; prometia dar-lhes um terço dos despojos e ceder-lhes em cada cidade conquistada uma rua que seria chamada a rua dos genoveses.

Foi concluído o tratado e os genoveses dirigiram-se a Jerusalém para celebrar as festas da Páscoa e renovar, no túmulo do Salvador, o juramento que tinham feito de combater os infiéis.

Chegaram no sábado santo. Era o dia em que o fogo sagrado devia descer ao divino Sepulcro. À sua chegada, a cidade de Jerusalém estava em grande consternação, pois o fogo celeste não linha aparecido.

Os fiéis ficaram reunidos todo o dia, na igreja da ressurreição. O clero latino e o clero grego tinham entoado várias vezes o Kyrie eléison; várias vezes o patriarca se tinha posto em oração no Santo Sepulcro, sem que a chama, tão vivamente esperada, descesse a alguma das lâmpadas destinadas a recebê-la.

No dia seguinte, dia de Páscoa, o povo e os peregrinos voltaram à santa basílica, repetiram-se as mesmas cerimônias da véspera e o fogo sagrado não apareceu, nem no Santo Sepulcro, nem no Calvário, nem em algum outro lugar da Igreja.

Então, como por uma inspiração, o clero latino, quase todo o povo, o rei e os senhores, foram processionalmente, descalços ao templo de Salomão.

Durante esse tempo, os gregos e os sírios que tinham ficado na Igreja do Santo Sepulcro, feriam o rosto, rasgavam as vestes, imploravam a divina misericórdia com gritos lancinantes.

Finalmente, Deus teve pena de seu desespero; à volta da procissão, o fogo sagrado havia descido; todos então derramaram lágrimas, cantaram o Kyrie eléison; cada qual acendeu sua vela na chama divina, que corre de fila em fila e se espalha por toda a parte; as trombetas soam, o povo bate palmas, uma melodiosa música se faz ouvir, o clero entoa os salmos, toda a cidade santa exulta de alegria.

(Autor: Joseph-François Michaud, “História das Cruzadas”, vol. II, Editora das Américas, São Paulo, 1956. Tradução brasileira do Pe. Vicente Pedroso, páginas 90 ss).



GLÓRIA CASTELOS CATEDRAIS ORAÇÕES HEROIS CONTOS CIDADE SIMBOLOS
Voltar a 'Glória da Idade MédiaCASTELOS MEDIEVAISCATEDRAIS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALA CIDADE MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário! Escreva sempre. Este blog se reserva o direito de moderação dos comentários de acordo com sua idoneidade e teor. Este blog não faz seus necessariamente os comentários e opiniões dos comentaristas. Não serão publicados comentários que contenham linguagem vulgar ou desrespeitosa.