segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Carta de Anselmo de Ribemont, conde de Ostrevent
a D. Manassés II, arcebispo de Reims

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






(escrita em Antioquia, por volta de 10 de fevereiro de 1098)

Ao Reverendo Senhor Manassés II, arcebispo de Reims pela graça de Deus, Anselmo de Ribemont, vosso vassalo e humilde servidor, saudações.

Na medida em que Vós sois nosso senhor e que o Reino da França depende especialmente de vossos cuidados, nós vos escrevemos, pai nosso, sobre os fatos que nos aconteceram e o estado do exército do Senhor.

Porém, em primeiro lugar, embora nós não ignoramos que o discípulo não está por cima do mestre, nem o servidor por cima de seu senhor, nos chamamos vossa atenção em nome de Nosso Senhor Jesus para que considereis a importância do que Vós sois e dos deveres de um sacerdote e de um bispo.

Cuidai, portanto, que nas nossas terras haja paz entre os senhores, que os vassalos possam trabalhar em paz suas propriedades, e que os ministros de Cristo possam servir o Senhor, conduzindo pacífica e tranquila vida.

Eu também vos rogo que esteja sempre presente na mente de todos os eclesiásticos de nossa santa mãe a Igreja de Reims, de meus pais e de meus senhores, não somente a minha lembrança e daqueles que agora estão combatendo no serviço de Deus, mas também a de todos os membros do exército do Senhor que caíram combatendo ou morreram em paz.

E depois de termos dito isto, permiti-me passar ao assunto que vos tinha prometido. Depois que o exército chegou a Nicomédia, que está situada na entrada da terra dos Turcos, nós todos, senhores e vassalos, limpamos nossas almas no sacramento da confissão, fortificamo-nos com o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor, e avançamos rumo a Nicéia no segundo dia antes da novena de Maio.

Após sitiarmos por alguns dias a cidade com muitas máquinas e engenhos de guerra, a astúcia dos Turcos, como acontece com frequência, ludibriou-nos profundamente.

No próprio dia em que eles tinham prometido que iriam se render, Solimão e todos os turcos vindos de regiões vizinhas e distantes, caíram por cima de nós e tentaram capturar nosso acampamento.

Porém, o conde de Saint Gilles e os francos que estavam com ele atacaram-nos e mataram uma inumerável multidão deles. E todos os outros fugiram na confusão.

Mais ainda, nossos homens voltando da vitória e trazendo muitas cabeças cravadas em picas e lanças, forneceram um gaudioso espetáculo para o povo de Deus.

Isto aconteceu no décimo-sétimo dia antes das calendas de junho.

Acossados e assediados por ataques dia e noite, os turcos renderam a cidade contra sua vontade no décimo-terceiro dia antes das calendas de julho.

Então, os cristãos atravessando os muros com suas cruzes e estandartes imperiais, reconciliaram a cidade com Deus, e de um lado e outro das portas de cidade bradava-se em grego e em latim “Glória a Vós, oh Senhor Deus”.

Após isto feito, os príncipes do exército encontraram o imperador que viera até eles para apresentar seus agradecimentos, e tendo recebido dele presentes de inestimável valor, alguns ficaram com profundos sentimentos e outros com diferentes emoções.

Nós trasladamos nosso acampamento de Nicéia no quarto dia antes de julho e continuamos nossa marcha durante três dias.

Batalha de Dorileia

No quarto dia, os turcos, que tinham reunido forças provenientes de todos os lados, atacaram de novo a divisão menor de nosso exército matando muitos dos nossos e levando os outros como prisioneiros para seus acampamentos. Boemundo, conde dos Romanos, o conde Estevão e o conde de Flandres comandavam essa divisão.

Foi no momento que levavam os prisioneiros que os turcos ficaram terrificados pelo medo vendo os estandartes do exército principal aparecer subitamente. Hugo o Grande e o duque de Lorena cavalgavam na frente, sendo seguidos pelo conde de Saint-Gilles e o venerável bispo de Puy.

Pois eles ouviram a estrépito da batalha e apressaram-se a vir em nosso auxílio.

O número dos turcos foi estimado por volta de 260.000.

O nosso exército todo atacou-os, matando muitos e dispersando o resto.

Naquele dia eu estava voltando de um encontro com o imperador, junto a quem os príncipes tinham-me enviado para resolver alguns assuntos públicos.

Depois daquela data nossos príncipes resolveram manter unido o exército e não se separarem uns dos outros.

A seguir, atravessando partes do Império e da Armênia, nós não encontramos obstáculos, exceto na hora de atravessar Iconium, quando nós que formávamos a vanguarda, vimos alguns poucos turcos.

Após dispersá-los no décimo-segundo dia antes das calendas de novembro, nós estabelecemos o sitio de Antioquia, e agora nós capturamos os locais vizinhos, as cidades de Tarso e Laodicéia e muitas outras pela força.

Mais ainda, num certo dia, antes de sitiarmos a cidade, no “Portão de Aço” nós derrotamos os turcos que tinham saído para devastar as redondezas e resgatamos muitos cristãos. Em acréscimo nós trouxemos conosco cavalos e camelos e muito grande botim.

Enquanto nos sitiávamos a cidade, os turcos dos redutos das redondezas matavam todos os dias aqueles que entravam ou saíam do nosso acampamento.

Vendo isto, os príncipes de nosso exército mataram 400 turcos que tinham montado uma emboscada, perseguiram outros até um rio e trouxeram vários cativos.


Igreja do Santo Sepulcro: estado atual. Rotar com o mouse

Vós podeis agora ter certeza de que nós agora sitiamos Antioquia com toda diligência, e esperamos nos apossar logo dela. A cidade está bem fornecida com incrível quantidade de grãos, vinho, azeite e toda espécie de alimentos.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A batalha de Dorileia quebrou o poder turco e inaugurou o predomínio cristão no Oriente Próximo

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
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Após tomar a cidade de Nicéia, os cruzados empreenderam a travessia da Ásia Menor em direção a Jerusalém.

Travessia penosa, o planalto anatoliano no qual entraram é uma zona de estepes secas que conduzem a um deserto salino que há no seu centro e onde o problema do reabastecimento foi sempre difícil.

Para enfrentá-lo, o exército dividiu-se em dois. No primeiro grupo marchavam Boemundo, seu sobrinho Tancredo e Roberto Courte-Heuse. No segundo, Godofredo de Bouillon (ou Bulhão) e Raimundo de Saint-Gilles.

Os turcos da Ásia Menor haviam concentrado todas suas forças sob as ordens de seu sultão, o seljúcida Kilij Arslan e tentaram explorar a divisão.

Na manhãzinha do 1º de julho, na altura de Dorileia, atualmente Escki-Chéhir, eles caíram em massa sobre o corpo de exército de Boemundo.

A brusquidão do ataque foi tal que Boemundo, surpreso em plena marcha, apenas teve tempo para reagrupar sua tropa às presas para resistir às cargas da cavalaria turca que o rodeou por todos os lados.