terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Balduíno IV, o rei leproso que espantava os muçulmanos

Coroação de Amaury I, rei de Jerusalém
Biblioteca Nacional da França, Mss fr 68, folio 297v
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs








A morte do rei de Jerusalém Amaury I [pai de Balduíno IV] foi um desastre. Jamais uma desaparição teve tão graves consequências para o destino de um Estado.

Como político audacioso, Amaury optou por vias novas, com iniciativas através das quais a Cruzada seria triunfante ou ferida de morte.

Após conseguir durante um momento estabelecer o protetorado franco sobre o Egito, viu seu intento virar contra ele e o Egito cair precisamente no poder do mais temível dos chefes muçulmanos: o grande Saladino.

Mas a última palavra ainda não havia sido pronunciada e tudo podia ser consertado. Porém, o destino levou-o brutalmente no momento decisivo.

Sua morte deixara o campo livre para Saladino. Este se apresentou em 25 de novembro de 1174 diante de Damasco, entrou sem encontrar resistência e anexou a grande cidade.

Homs e Hama tiveram a mesma sorte. Com exceção de Alepo, Saladino ficou dono da Síria muçulmana e do Egito.

Virada catastrófica de situações! Na véspera, o reino franco de Jerusalém se beneficiava da divisão político-confessional entre o Cairo e a Síria, manipulando à vontade a anarquia muçulmana e apresentando-se como árbitro do Oriente.

Eis que, da noite para o dia, ele se encontrou cercado por uma poderosa monarquia militar dirigida por um chefe de talento, prestes a explorar todas as divisões dos francos.

Para recolher essa terrível herança, Amaury I só deixou um filho de treze anos, o jovem Balduíno IV.

É verdade que o adolescente sobre quem pousava o destino da França de ultramar mostrava ser um dos mais brilhantes representantes da dinastia de Anjou.

Ele era, segundo nos conta Guilherme de Tiro, um menino charmoso e notavelmente dotado: formoso, vivo, aberto, ágil nos exercícios físicos, perfeito ginete.

Ele tinha uma grande rapidez de espírito e uma excelente memória — “jamais esqueceu um insulto, menos ainda um favor” —, manifestava-se como o mais cultivado dos príncipes de sua família.

Desde os nove anos fora-lhe dado como preceptor o futuro arcebispo Guilherme de Tiro, historiador e homem de Estado, que depois seria seu chanceler.

Sabemos pelo testemunho do mestre que o aluno aproveitava admiravelmente as aulas, especialmente as de letras latinas e o estudo da história, que o apaixonava.

Guilherme de Tiro descobre a lepra no futuro rei Balduíno IV
Guilherme de Tiro descobre a lepra no futuro rei Balduíno IV
Mas já nas primeiras linhas do retrato emocionado que Guilherme de Tiro desenhou de seu real aluno, pode-se apalpar um fundo de tristeza.

Esse menino tão formoso, tão comportado e já tão cultivado, fora atingido secretamente do mal horrível que lhe valeu o apelido de Balduíno o Leproso.

Guilherme nos conta como foi percebida a doença, num dia em que o jovem príncipe brincava com outras crianças.

“Acontecia que no entusiasmo do jogo as crianças machucavam as mãos, e então choravam. Somente o pequeno Balduíno não se queixava. Guilherme ficou surpreso. O menino respondeu que não sentia nada. Viu-se então que sua epiderme era realmente insensível. Foi confiado aos mires, mas sua arte se revelou impotente para curá-lo”.

Foram os primeiros sintomas da terrível doença que, ano após ano, foi fazendo desse adolescente cheio de valia um cadáver vivo.

O reinado do infeliz jovem de 1174 a 1185 – subiu ao trono com 13 anos e morreu com 24 – não foi, entretanto, apenas uma lenta agonia, mas uma agonia a cavalo, enfrentando o inimigo, sempre ereto, em virtude do sentimento da dignidade real, do dever cristão e das responsabilidades da coroa nessas horas trágicas onde ao drama do rei correspondia ao drama do Reino.

E quando a doença piorou e o Leproso não mais podia montar na sela, ele se fez levar de liteira ao campo de batalha e a simples aparição desse moribundo sobre a liteira punha em fuga os muçulmanos.


(Autor: René Grousset, de l’Académie française, L’épopée des Croisades, Perrin, Paris, 2002, 321 páginas; pp 171 e ss. Excertos).

continua no próximo post: O rei leproso começa pondo em xeque o poder de Saladino



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