terça-feira, 16 de abril de 2024

A rainha Isabel, a Católica, faz Cruzada contra os mouros

Encenação cinematográfica do rei mouro Boabdil.
Encenação cinematográfica do rei mouro Boabdil.
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs


continuação do post anterior: Isabel, a Católica, a rainha que empreendeu uma Cruzada


A cruzada contra os infiéis maometanos

Um dos maiores empenhos que Isabel teve em seu reinado foi mover a guerra santa contra o invasor muçulmano.

Para esse empreendimento, obteve do Papa as mesmas indulgências de Cruzada concedidas aos que iam lutar na Terra Santa, tendo o Sumo Pontífice lhe enviado uma cruz de prata para ir à frente de seus exércitos.

Nas várias campanhas que encetou, e sobretudo na reconquista de Granada, Isabel arrebatava seus soldados por sua energia sobre-humana, senso do dever e espírito sobrenatural.

Estes “criam que ela era uma santa. Como Santa Joana d’Arc, sempre lhes recomendava viver honestamente e falar bem. Não havia nem blasfêmias nem obscenidades no acampamento onde ela se achava, e viam-se curtidos soldados ajoelhar-se para rezar, enquanto se celebrava a missa ao ar livre por ordem da piedosa rainha”.(7)

A presença da soberana era para os guerreiros como uma garantia de vitória, pois lhes inspirava valor e confiança. Até os mouros admiravam a grande rainha, cantando sua bondade e beleza em suas canções, apesar de a temerem como inimiga.

Enquanto Fernando, um dos melhores guerreiros de sua época, comandava o exército, a rainha cuidava de toda a retaguarda, como recrutamento de reforços, envio de alimentos e munições, bem como projetava os hospitais — foi ela quem instituiu o primeiro hospital militar da História, e suas enfermeiras precederam as da Cruz Vermelha em mais de trezentos anos.

Cavalgava de um lugar a outro, indo mesmo aos acampamentos revestida de leve armadura de aço, para elevar o moral dos soldados. Mas essa rainha guerreira fazia questão de ela mesma costurar a roupa de seu marido, nunca usando o monarca outras senão as confeccionadas pelas hábeis mãos de Isabel ou de suas filhas.

Título glorioso de “Reis Católicos”

Um fato mostra a têmpera dessa rainha. No cerco de Granada, uma vela mal colocada ateou fogo na tenda ao lado da rainha, e desta propagou-se para todo o acampamento, que foi tomado pelas chamas. Os mouros, das muralhas, cantavam vitória.

O rei muçulmano Boabdil entrega as chaves de Granada à rainha e ao rei Fernando de Aragão, seu esposo. Francisco Pradilla y Ortiz (1848–1921).
O rei muçulmano Boabdil entrega as chaves de Granada à rainha e ao rei Fernando de Aragão, seu esposo.
Francisco Pradilla y Ortiz (1848–1921).
Mas a enérgica soberana, para mostrar sua determinação de conquistar a cidade, mandou edificar novo acampamento de pedra, surgindo assim uma verdadeira cidade à qual deu o nome de Santa Fé. Foi de lá que partiram as investidas contra Granada, obtendo-se sua capitulação.

O Papa Alexandre VI concedeu ao real casal, por seus serviços em prol da Cristandade, o título de Reis Católicos, em harmonia com o de Rei Cristianíssimo, concedido anteriormente ao monarca francês.

A política matrimonial que seguiram os Reis Católicos teve como intuito isolar a França, sua grande rival na época. Mas não tiveram felicidade com seus filhos.

A primogênita, também chamada Isabel, casou-se com o jovem príncipe português Afonso e, ao enviuvar precocemente, contraiu matrimônio com o seu herdeiro Dom Manuel, o Venturoso.

O príncipe João casar-se-ia com Margarida de Áustria, filha do Imperador Maximiliano I, mas morreria jovem. Joana, que entrará para a História como Joana a Louca, contraiu matrimônio com Felipe de Áustria, o Formoso, e tornou-se herdeira do trono que passou para seu filho, o futuro Carlos V.

Maria casa-se com seu cunhado, o viúvo Dom Manuel, e Catarina será a desafortunada esposa do lúbrico Henrique VIII, da Inglaterra.

“O bom governo dos soberanos católicos levou a prosperidade da Espanha ao seu apogeu e inaugurou a Idade de Ouro do país”.(8)

Três meses após a conquista de Granada, Isabel assinou uma ordem de expulsão dos judeus de seus territórios; e favoreceu a empresa de Cristóvão Colombo, que descobriria assim a América.

A morte de Isabel a Católica. Eduardo Rosales, Museu Nacional del Prado, Madri.
A morte de Isabel a Católica.
Eduardo Rosales, Museu Nacional del Prado, Madri.
A morte desta grande rainha foi muito lamentada pelos seus contemporâneos. Um deles deixou este depoimento:

“O mundo perdeu seu adorno mais nobre; uma perda que deve chorar não somente a Espanha, que ela já não levará mais no caminho da glória, mas todas as nações da Cristandade, porque ela era o espelho de todas as virtudes, o amparo do inocente e o sabre vingador do culpado.

“Não conheço ninguém de seu sexo, nos tempos antigos nem nos modernos, que, a meu juízo, possa equiparar-se com esta mulher incomparável”.(9)

Notas:
1. Luis Amador Sanchez, Isabel, a Católica, tradução de Mario Donato, Empresa Gráfica O Cruzeiro S. A., Rio de Janeiro, 1945, p. 55.
2. William Thomas Walsh, Isabel de España, tradução castelhana de Alberto de Mestas, Cultura Española, 1938, p. 49.
3. Ramón Ruiz Amado, DO, The Catholic Encyclopedia, Vol. VIII, transcrito por WGKofron, copyright © 1910 de Robert Appleton Company, online edition copyright © 1999 by Kevin Knight. 4. Id. ibid.
5. William Thomas Walsh, op.cit., p. 171.
6. (Site: www.artehistoria.com, Protagonistas de la História, Isabel la Católica.)
7. Walsh, op.cit., p. 160.
8. The Catholic Encyclopedia, online edition.
9. Carta de Pedro Mártir, um dos secretários da rainha, comunicando a morte de Isabel ao Arcebispo Talavera, in William Thomas Walsh, Isabel de España, p. 599.

(Fonte: Catolicismo, julho de 2004.



terça-feira, 2 de abril de 2024

Balduíno IV é enterrado ao pé do Gólgota, junto ao Santo Sepulcro

Raimundo de Tripoli nomeado regente. BNF Français 2824, fol. 162v
Raimundo de Tripoli nomeado regente.
BNF Français 2824, fol. 162v
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
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continuação do post anterior: Quase cego e imobilizado, Balduíno IV volta a vencer Saladino e a inépcia dos vassalos


Os últimos meses do reinado de Balduíno IV quase viram estourar uma guerra civil sob o olhar inimigo.

Guy de Lusignan aproveitou-se de uma ausência de Balduíno para correr até Jerusalém, onde estava Sibila, e levá-la consigo antes do retorno do rei.

Refugiou-se com ela em seu feudo de Jaffa-Ascalon e recusou atender às ordens do rei, que lhe exigia comparecer na sua presença. Foi então luta aberta.

O rei marchou sobre Ascalon, cujas portas encontrou fechadas. Mas conseguiu tomar Jaffa. Em seguida reuniu um “parlamento” em São João de Acre, para acabar com o rebelde.

O patriarca Heráclio e o Grande Mestre do Templo tentaram interceder por ele.

Mas Guy tornava desmerecido o perdão também pelo fato de ser culpado por uma ação abominável.

Nas circunvizinhanças de Ascalon viviam beduínos nômades, tributários e ‘clientes’ do rei. Eles faziam pastar seus rebanhos com toda confiança quando, para causar dano ao soberano, Guy se jogou sobre eles e os massacrou.

A cólera de Balduíno IV diante desse ato de felonia foi terrível. Ele acabou então confiando todo o seu poder ao conde de Trípoli, inimigo de Lusignan (1185).

Já não havia mais tempo, os acontecimentos se precipitavam. O rei leproso deitou-se, para nunca mais se levantar.

Ele mandou chamar os grandes vassalos e, diante deles, renovou sua vontade de deixar a regência ao conde até a maioridade do jovem Balduíno V.

O príncipe heroico, cujo reinado não foi senão uma lenta agonia, entregou sua alma a Deus em 16 de março de 1185.

Considerando-se que ele tinha apenas 24 anos e tudo o que pôde realizar durante esses breves anos a despeito da lepra, de sua impotência e cegueira finais, fica-se tomado de respeito e de admiração.

Balduíno V de Jerusalém
Balduíno V de Jerusalém
Ele soube manter até seu último suspiro a autoridade monárquica e a integridade do reino, e soube morrer como rei.

As crônicas evocam a dramática cena em que, vendo aproximar-se seu fim, ele convocou diante de si todos os grandes do Reino.

“Antes de morrer, ele ordenou a todos seus vassalos para se apresentarem em Jerusalém. E vieram todos, e, quando ele partiu deste século, todos presenciaram sua morte”.

Da mesma maneira que os cronistas francos, os historiadores árabes se inclinaram diante de sua lembrança.

“Esse menino leproso soube fazer respeitar sua autoridade”, escreveu el-Imâd de Ispahan como que com uma saudação de espada.

Estoica e dolorida figura, talvez a mais nobre da história das Cruzadas, cujo heroísmo tocava na santidade. Nem as pústulas nem as crostas que a cobriam foram capazes de dobrá-la; efígie pura de rei francês que eu gostaria colocar ao lado de um São Luís IX.

Liberado de seu longo martírio, o rei leproso foi sepultado junto do Gólgota e do Santo Sepulcro, onde morreu e repousou o Homem das Dores por excelência – Deus.


(Autor: René Grousset, de l’Académie française, “L’épopée des Croisades”, Perrin, Paris, 2002, 321 páginas, pp 171 e ss. Excertos).

FIM DA SÉRIE



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terça-feira, 26 de março de 2024

Quase cego e imobilizado, Balduíno IV volta a vencer Saladino e a inépcia dos vassalos

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
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continuação do post anterior: Diante de Beirute, Saladino foge de Balduíno IV

 

 

Diante de um adversário com a atividade de Saladino, teria sido necessário que o rei leproso estivesse sem cessar acima do cavalo para frustrar os planos inimigos.

As campanhas francas do outono de 1182 tinham salvo a independência de Alepo dos ataques do sultão.

Mas, no ano seguinte, a imperícia dos últimos reis turcos locais lhe entregou a cidade (junho de 1183). A partir dali, a Síria muçulmana pertencia ao grande sultão, do mesmo modo que todo o Egito.

Pese os esforços desesperados de Balduíno IV, a situação dos francos se degradava cada vez mais. Após a anexação de Alepo, Saladino voltou à sua boa cidade de Damasco a fim de organizar a invasão da Palestina (agosto de 1183).

Sabendo desta notícia, Balduíno convocou todas as forças francas nas fontes de Sephoria, na Galileia, ponto de concentração habitual das armas cristãs. Foi lá que a doença venceu seu heroísmo.

Após uma interrupção de alguns meses, a terrível doença retomou seus progressos. Balduíno IV entrou em estado terminal.

“Sua lepra – diz o cronista – debilitava-o até o ponto de ele não mais conseguir fazer uso de suas mãos e de seus pés. Ele estava todo apodrecido e ia a perder a visão”.


Nesse estado, quase cego, longamente imobilizado em seu leito, um cadáver vivo, ele ainda lutava contra o destino. Quem acompanhou sua atividade desde o início da doença compreende o combate patético e doloroso que ele livrou contra si mesmo.

Com sua alma heroica, ainda nesse estado ele queria governar. Em vão seus próximos o aconselhavam a abandonar suas funções, a retirar-se em algum palácio “com boas rendas, para viver honrosamente”.

Ele recusava, diz a crônica, “porque embora fosse débil de corpo, tinha a alma elevada e a vontade voltada para além das forças humanas”. Mas derradeiros acessos de febre acabaram por abatê-lo.

Impulsado pela unanimidade do sentimento islâmico, Saladino agiu com decisão. Uma frota egípcia posta por ele no Mar Vermelho, destruiu a flotilha franca.

E em novembro de 1183, à testa de um poderoso exército, ele foi pessoalmente assediar a fortaleza de Renaud de Châtillon, o famoso Crac de Moab, nosso Kerak, na Transjordânia.

Sob o bombardeio incessante da artilharia, a muralha ameaçava desabar quando, mais uma vez, a realeza salvou os vassalos imprudentes.

A labareda de um grande fogo aceso sobre a Torre de Davi, em Jerusalém, reproduzida por um castelo e outro, provocou a aparição de sinais iguais sobre as torres de menagem da Judeia meridional até o mar Morto. Ela anunciava aos sitiados do Crac de Moab que o auxílio se aproximava.

Apesar de parecer-se mais com um cadáver, Balduíno IV foi mais uma vez rei.

Cego, paralisado, moribundo, ele convocou suas tropas, a cuja testa pôs o conde de Trípoli, e as acompanhou numa liteira até Kerak.

Mais uma vez, Saladino fugiu diante dele, sem mesmo aguardá-lo.

O rei leproso fez uma entrada triunfal na fortaleza, saudado como um salvador pela multidão dos sitiados.

Ele reconfortou a guarnição, fez reconstruir as partes danificadas dos muros, e voltou a Jerusalém, após cumprir até o fim seu dever de chefe, em dezembro de 1183. 



(Autor: René Grousset, de l’Académie française, L’épopée des Croisades, Perrin, Paris, 2002, 321 páginas, pp 171 e ss. Excertos).

continua no próximo post. Balduíno IV é enterrado ao pé do Gólgota, junto ao Santo Sepulcro



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terça-feira, 19 de março de 2024

Diante de Beirute, Saladino foge de Balduíno IV

Unção de Balduíno IV. BNF, Français 5594, fol. 176v haut
Unção de Balduíno IV. BNF, Français 5594, fol. 176v haut
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continuação do post anterior: Um rei leproso e herói, em uma corte decadente e pusilânime



O sultão concebeu então um projeto audacioso: separar o reino de Jerusalém do condado de Trípoli, empossando-se de Beirute.

Em agosto de 1182, ele atravessou o Líbano a toda velocidade e apareceu de improviso diante da cidade, enquanto uma frota egípcia chegava remando.

Mais uma vez o rei leproso foi o salvador do país. Da Galileia, onde estava acampado, acorreu ao galope com sua cavalaria, não sem antes ordenar a todos os navios cristãos, ancorados na costa, a partir a toda vela rumo a Beirute.

O movimento foi tão rápido que os planos de Saladino ficaram frustrados. Os habitantes de Beirute tinham também se defendido bem.

Quando o sultão soube da aproximação do rei, compreendeu que havia errado o golpe e voltou pelo interior do Líbano, não sem antes saquear sítios e plantações.

A brilhante libertação de Beirute provou que, a despeito de uma situação cheia de perigos, o Estado cristão resistia face a face ao inimigo por toda parte.

Embora representada por um infeliz leproso, a dinastia de Anjou cumpria com vigilância seu papel tutelar.

E que personagem de epopeia – epopeia cristã, em que os valores espirituais prevaleciam – foi esse jovem chefe que, com os membros roídos pelas úlceras e as carnes prestes a cair, se fazia conduzir à testa de suas tropas, galvanizava-as com sua presença de mártir e, em meio aos sofrimentos, teve a ufania de ver mais uma vez Saladino fugir!

O herói Balduíno IV tinha uma outra face: a de homem de Estado.

Uma vez que o reino ficara livre da invasão, ele se preocupou em defender a independência das dinastias islâmicas secundárias, como os atâbegs – turcos de Alepo e de Mossul da família de Nour ed-Din – contra as ambições hegemônicas do sultão.

Tendo Saladino atacado essas duas cidades, Balduíno IV não hesitou em executar em favor delas uma poderosa incursão diversiva no Hauran e no Sawad damasceno (setembro-outubro de 1182).

Melhor ainda, no transcurso de uma terceira expedição, Balduíno avançou das periferias de Damasco até Dareya.

Após essa brilhante cavalgada, conduzida até as portas da capital de Saladino, o rei leproso foi celebrar o Natal de 1182 em Tiro, junto a seu antigo preceptor e nosso historiador, o arcebispo Guilherme.


(Autor: René Grousset, de l’Académie française, L’épopée des Croisades, Perrin, Paris, 2002, 321 páginas, pp 171 e ss. Excertos).


continua no próximo post: Quase cego e imobilizado, Balduíno IV volta a vencer Saladino e a inépcia dos vassalos



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